28.2.11


O sonho de ontem á noite... 

Estou sentada no parapeito da janela, consegues ver-me? Descanso o corpo de joelhos juntos e tornozelos cruzados. Apoiada na palma das mãos inclino o tronco para a frente e sinto cada músculo distender. Só não sei desligar o instinto e mantenho o olhar fixo nos corpos que se movem em meu redor. O vestido que trago é tão leve que nem o sinto e é ainda o cheiro a praia que a minha pele emana. A janela está aberta e a brisa morna beija-me as costas, enquanto brinca com o meu cabelo. Vejo-te do outro lado da sala e adivinho o futuro, enquanto rodo o anel de prata no polegar. Fecho os olhos, preencho-me da noite estrelada lá fora e repentinamente compreendo que chegou a altura de os voltar a abrir. Estás a escassos metros de mim. Numa análise rápida, tiro-te a pinta. Chinelo no pé, calças rasgadas e camisa azul. Barba e um nariz sardento, que denuncia os primeiros dias de praia. Trazes um copo na mão, um sorriso enigmático e uma onda do teu perfume inunda-me, por estares cada vez mais perto. A palmos imaginários meço-te os ombros largos e escolho-te dois desportos de eleição; o tronco de triângulo invertido denuncia-te como nadador, o charme como predador. É agora. Pousas a mão a poucos centímetros da minha e, sem quaisquer palavras, estendes-me o copo. Agarro-o num gesto firme e as unhas arrancam sons de brinde ao vidro grosso. Num sorriso entre o tímido e o inebriante aproximo o copo dos lábios, com uma dúvida que só um olhar que evito, poderia denunciar. Confio no único sentido que nunca me falhou, o olfacto. Decomponho o conteúdo do copo e inevitavelmente fazes-me sorrir. Martini bianco, duas pedras de gelo, meia rodela de limão. Doce veneno, meu querido, é o que penso sem o articular em voz alta. Vejo como as púpilas se te dilatam, ao meu gargalhar, também ele inebriante. Vejo como procuras ansiosamente o rótulo que não possuo, numa tentativa de descobrir a percentagem de sedução neste estúpido jogo em que nos envolvemos. Apetece-me dizer-te que estará a par e passo com o álcool desta distinta bebida, com que planeias abrir portas. Faço-te um sinal discreto, permito que te aproximes mais. A tua camisa toca-me os ombros nús, sinto o teu respirar na nuca. Vais contar-me um segredo e humedeço os lábios, em jeitos de respiração profunda para o último salto.
Acertei?
Em cheio.
É agora a minha vez de te fazer sorrir e são pequenas formigas que me percorrem o corpo quando o fazes. Não o dou a entender e está escuro o suficiente para não veres como coro ligeiramente, em antecipação da tua próxima cartada. Vieste até mim com passos firmes, como quem corre para a liberdade do mar e nunca, na curta distância que nos separava, vi cadeados na tua mão, na largura do teu tronco, na cicatriz do teu joelho. Bebo mais um gole, inclino o corpo e o copo para ti. Passas-me o indicador pelo lábio inferior, desvias-me uma madeixa de cabelo dos olhos e sussurras-me o apetite que te desperto, com o meu cheiro a fruta madura. Deixo que me passes o braço pela cintura e lembro-me do Palma, deixa o teu fogo envolver-me, até a música acabar. Sei que consegues ouvir-me fora de tom, na minha própria cabeça e foi por isso que escolheste brincar comigo. A noite é longa. Afinal de contas, ainda agora me caiu o chinelo do pé.


Tenho medo de te perder.
Tenho medo de perder o teu amor carinho e afecto por mim, tenho medo.
Tenho medo que fujas, que me deixes aqui sozinha neste mundo de loucos sem alguém a quem contar as minhas parvoices, tenho medo.
Tenho medo porque eu sem ti não sou nada. 
Tenho medo porque és tu quem me faz sorrir.
Tenho medo porque te amo, tenho muito medo.
E tu?
Será que também tens medo de me perder?









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